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Venho de uma pequena cidade no interior do Rio de Janeiro chamada Barra Mansa, mas em busca de melhores condições de vida para nossa família, meu pai, que sempre foi marceneiro, tomou a decisão de se mudar para Taubaté, interior de São Paulo. Eu sou o caçula de uma família com seis pessoas, sendo que meus dois irmãos, minha irmã e meus pais também já tiveram algum tipo de envolvimento com música, por isso meus estudos começaram em casa, com meu pai, apesar de ele não ter noção alguma do que estava fazendo.

 

Desde criança, eu tenho sido um apreciador de todas as formas de artes, mas uma definitivamente chamou mais minha atenção. Eu nem era nascido quando meu pai comprou um teclado pequeno, antigo de 4 (quatro) oitavas (parecia de brinquedo) para minha irmã mais velha, no entanto, ela não se encantou e o 'coitado' foi parar em cima do guarda-roupas da nossa humilde casa. Quando eu decidi entrar no mundo da música, infelizmente eu já tinha 10 anos. Começando com violino, eu tentei aprender outros cinco instrumentos: bateria, trompete, saxofone, guitarra e baixo, mas todas foram tentativas sem sucesso. Até que, em um dia de faxina, eu encontrei aquele instrumento empoeirado e abandonado em cima do guarda-roupa e, acreditem, foi amor à primeira vista! Lá começava a minha jornada com a música.

 

Quando eu tinha 12 (doze) anos, fui aceito no Conservatório de Música da minha cidade com o objetivo de estudar piano clássico e com 17 (dezessete), decidi por conta própria retornar à Barra Mansa, para iniciar minha Licenciatura em Música na Universidade local e também, trabalhar no Projeto de Música da cidade, chamado Música nas Escolas. Confesso que foram 3 (três) anos de muita dificuldade, lutas e desafios, cada vez maiores, tendo em vista que estava longe da família, dos meus pais e de tudo que sempre foi considerado meu "porto seguro".

 

Hoje, com apenas 21 (vinte e um) anos de idade, posso dizer que já tive a graça de acompanhar grandes nomes da música atual, tais como: João Bosco, Randy Gloss, Ralph Jones, Isaac Karabtchevsky, Apo Hsu, David Chew, etc, com os quais muito aprendi.

 

Mas o que mudou o meu horizonte, minha perspectiva de mundo, foi quando fui selecionado pelo Programa Arte & Transformação Social. Este é um programa criado por Wainer Guimarães em conjunto com a CalArts, universidade fundada por Walt Disney em Los Angeles.

 

Eram centenas de jovens de várias ONGs do Brasil inteiro, mas em especial do Rio de Janeiro. Fizemos a audição no Rio de Janeiro, na sede da escola na Urca, mas só existiam quatro vagas. Além disso, um piano velho e desafinado estava a minha espera, bom seria se fosse só isso, quando toquei a primeira tecla da sonata de Mozart, ela também não funcionava corretamente. Ainda que tivesse pensado em parar ou avisar a todos que não tinha condições de continuar, a arte falou mais alto e me fez colocar para fora a verdadeira voz que existia dentro de mim, através de sons.

 

Fui selecionado e quando cheguei em CalArts me deparei com um outro universo. Era um curso intensivo de verão, e aquela experiência me fez realmente ver que era aquilo que eu queria para mim, para meu futuro. Os professores transformavam um ambiente de ensaio, em um aprendizado de vida. Mesmo ainda tendo um inglês básico, lembro de Randy Gloss, o coordenador do curso, me dizendo ‘’Thiago, você não deve tocar dos dedos para os ouvidos, mas de coração para corações, você pode transformar vidas com sua música’’ Voltei de lá, não somente enxergando música como ‘’um tipo de arte que comove pessoas’’, mas convicto de que a arte é combate, liberdade e ela pode transformar o mundo.

 

Olhando para minha trajetória sempre lembro das escolhas e renúncias que eu tive que fazer, das decisões que tomei e dos caminhos rochosos que atravessei. Eu não teria chegado até aqui, sem que tivesse me arriscado, deixando minha família aos 17 anos e me deslocado para um lugar distante, apenas para ir em busca do meu sonho. À medida que a vida passa, percebo que tudo tem um propósito determinado, por isso, tento fazer valer a pena cada segundo dela. Sei que poderia ter sido diferente, quem sabe eu não teria conhecido Arte e Transformações Social ou a‘’Escola Britânica’’ que sem dúvida, foram os principais meios para que eu chegasse até aqui. Sei também que existem pessoas que fizeram isso acontecer, que me orientaram, me abriram caminhos, me incentivaram a perseverar neste sonho, mas sobretudo, me fizeram acreditar em mim mesmo, na força que existia dentro de mim. Às vezes, essas pessoas surgem ‘’do nada’’, mas elas entram em nossas vidas para fazer a diferença. Assim foi com Gabriel Fritsch, um dos alunos da Escola Britânica selecionado para me acompanhar como tradutor e facilitador no curso em CalArts. Mas nenhum de nós imaginava que aquela viagem, além da proposta artística, iria nos proporcionar um elo de amizade tão forte. Gabriel, um ser social que possui uma humildade fora do comum, simplicidade fantástica e um coração caridoso. Virávamos madrugadas cantando, gravando vídeos, ríamos de coisas bestas, criamos códigos que só a gente entende (mierda.. ri não cara, ri não) haha... Enfim, hoje ele mora em New Haven, Connecticut, estuda relações internacionais e economia em Yale, mas sinto que apesar do nosso pouco tempo de convívio, ele se tornou para mim, um daqueles poucos amigos a quem eu posso chamar de irmão.

 

Desde, então, não parei mais de contribuir para o projeto e me envolver em todas as suas atividades, como colaborador. Além do curso de CalArts, tive a oportunidade de realizar uma turnê pelos Estados Unidos, tocando em Universidades, Teatros e Igrejas, encantando as pessoas com música e dança, com um maravilhoso grupo de jovens artistas brasileiros, todos selecionados pelo Projeto em diferentes comunidades carentes do Rio de Janeiro. Na verdade, posso dizer que participar do Projeto Arte e Transformações Social me fez acreditar que poderia aspirar mais alto, me fez acreditar que o “impossível” seria “possível”.

 

Recentemente, a equipe de Berklee College of Music esteve no Brasil e eu, mesmo sem estar adequadamente preparado, não podia perder aquela oportunidade de audição e entrevista para o que eu chamo de ''Universidade dos Sonhos''. Passados alguns dias, o resultado saiu e, por incrível que pareça tinha sido aprovado condicionalmente, pois precisava completar o processo de aplicação. Para mim, aquilo já bastava. Eu não quis nem saber se eu iria estudar lá ou não, eu só lembro que fiquei paralisado, chamei minha mãe e li para ela, que ficou muito emocionada também, mesmo sem saber o que Berklee significava para mim. Ou seja “o meu sonho”!

 

Berklee concede uma bolsa de estudos para um número limitado de alunos, especialmente estrangeiros, através daquela audição e entrevista, e eu precisava aguardar a decisão do corpo docente, e enviar meus documentos acadêmicos. Eu não conseguia acreditar que aquilo era verdade, que estava prestes a concorrer a uma bolsa de estudos em Berklee. Fui, então, avisado que a decisão sairia no dia 31 de março, e a partir desse dia o nervosismo tomou conta de mim e eu já nem dormia direito, mas uma coisa eu tinha em mente, “tudo vai valer a pena”!

 

Quando no dia 31 (trinta e um) de março, abri minha conta no portal da Universidade e descobri que tinha sido aceito e agraciado com a bolsa máxima por mérito, que podia ser concedida à um aluno estrangeiro, fiquei radiante. Chamei minha mãe, choramos juntos e, então, eu disse ‘’Mãe, agora eu estou mais perto do que estava... Não acredito nisso...''.

 

A experiência de CalArts, através do programa Arte e Transformações Social, fez nascer em mim a aspiração por perseguir um projeto de educação de alto nível, chegar à melhor Escola de Música dos Estados Unidos, a Berkelee College. E agora, depois de ter sido aceito nessa escola de sonho com bolsa parcial, senti que cheguei mais perto do que poderia imaginar alguns anos atrás, mas ainda tão distante do que eu e minha família podemos garantir.

 

Mas, nesse momento, penso nas palavras de Abraham Lincoln, ''O êxito da vida não se mede pelo caminho que você conquistou, mas sim pelas dificuldades que superou no meio do caminho''. E é pensando nessas palavras, e apesar de ainda existir muitos desafios que estão totalmente fora do meu alcance, que continuo acreditando que quanto mais difícil a subida, mas bela é a vista lá de cima. E eu vou chegar lá em cima.

 

THIAGO DE OLIVEIRA VITÓRIO

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